segunda-feira, 18 de março de 2013

NA FLUIDEZ DE UMA CHAMA AMANTE

Sentado, no 39 Degraus da Cinemateca Portuguesa, ouço o gongue que anuncia o início de mais uma das suas sessões. O som transporta-me a um destes dias em que seguia no Metro da Linha Azul, batia a noite o seu turno. A composição parou na Estação da Avenida. Dela, saiu uma jovem de cabelo encaracolado, blusa esverdeada e calça de ganga. Parou defronte de uma das janelas do Metro e, com o olhar inundado de tristeza, enviava, com as pontas dos dedos, beijos soltos de saudades súbitas, a saltitarem de frescuras imensas. Sem que pudesse evitar, fui contagiado pela tristeza e embalsamei, no meu olhar, Cupidos do tempo em que amei amores que não sei. A separação denotava desejos de uma união que se fortalecia na coragem de viver cada minuto, cada segundo, os pequenos e eternos prazeres de abraçar os abraços da ternura e de beijar os beijos das suas intimidades. Só se avalia um adeus quando as portas de uma despedida se abrem à solidão do silêncio. Parte-se para um destino concreto, embrulhado em palavras de segredos e mistérios que acondicionam o regresso ao parque dos sonhos que nascem e reconfortam o corpo entre os lençóis de uma ausência, distância imaginária que, em um dia qualquer, levantará o nevoeiro que paira sobre a fluidez de uma chama amante que amanhece ao entardecer.
Estas sequências de um filme que se repetem em muitas sessões, são, inúmeras vezes, pausas de um tempo que escapam aos seus enquadramentos, ameaçando as debilidades da sensibilidade amorosa com a secura de paisagens que amolecem em fade out, transcendendo as realidades com os subúrbios dos esquecimento, dos abandonos que ferem e desarmam todo um futuro que, subitamente, é passado.  O Metro reacendeu a sua circulação e, com ele, recomeçou o ciclo das vidas dos que nele ficaram. Observei a agilidade do tempo que, no seu bojo, transporta milhares de actores que representam o seu papel neste grande palco da vida que veste o universo com as partículas da nossa nanoenergia. Somos amantes, amados ou não, porque esse é o ritmo do nosso coração.      
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 20 de Setembro de 2011, escrito na Cinemateca Portuguesa.
Corrigido e postado, em 18 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 12H43 e as 13H17.

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