quinta-feira, 14 de março de 2013

NUM CAFÉ À BEIRA-MAR

Estava sentado a um canto de um pequeno café, junto do mar. Eram 20H50. Não me apetecia jantar. O coração batia-me com a força das marés vivas, socando com violência a pequena praia que semeava o café. Os meus olhos que atravessavam as janelas forradas de pó, fuzilavam o horizonte como se fossem um Goya transtornado. Desenhei um rosto no vidro da janela. Um rosto sem olhos, sem boca, um rosto lixado pelo esterco e pelas garras afiadas do meu cérebro, afogueadas que estavam pelas pulsões do seu lixo.
Uma empregada magricela abeirou-se da minha mesa e perguntou-me, delicadamente, se desejava alguma coisa. Investiguei a minha fome que, rapidamente, descobri ser nenhuma, mas, mesmo assim, pedi um mini prato de borrego e um copo de sangria. Momentaneamente, apeteceu-me apanhar uma bebedeira e, depois, estender-me na areia molhada, untando-me com a vingança de uma razão apodrecida.
A magricela trouxe-me o ensopado e, eu, senti-me, subitamente, enjoado. O molho era hediondo, o borrego, mais osso do que carne, e as batatas eram novas. Cretinice, a minha, por me ter lembrado de comer naquela espelunca. Sobrou a sangria que me estancou os palavrões murmurados entredentes. Afundei-me, nela, sem me preocupar com os resultados. Bebi um café com cheirinho e paguei a conta. Um fortuna por uma provocação daquelas. Saí do café e fui, de imediato, lambido por uma língua de ar frio. Tinha urgência em acalmar as baforadas violentas que boiavam no meu corpo. Que se lixasse o frio, e, sem pensar em mais nada, despi-me e mergulhei nas águas geladas do mar. O corpo vibrou como se fosse um caniço ao vento. Nadei como uma enguia e, instantaneamente, a depressão que me afogava o cérebro diluiu-se como a espuma do mar. Aproveitei o impulso de uma onda maior e deixei que o corpo rebolasse pela areia, como se a minha nudez se estendesse sobre um colchão de plumas. Levantei-me, fiz um footing curto, abastecendo o corpo com os suores revoltados de uma vida sem afinações. Vesti-me, subi a pequena escada que ligava a praia ao pequeno parque de estacionamente onde se encontrava o meu velho Fiat Uno. A noite era um calafrio nos olhos das minhas ventas e o vento empurrava-me para Sul, quando devia seguir para Norte. Que destino sem norte, pensei eu, rasgando a noite com os farois de um tempo que nada me dizia.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 16 de Novembro de 2011, escrito na Dolce Vita do Monumental.
Postado, originalmente, na Biblioteca Nacional de Lisboa, em 22 de Novembro de 2011.
Postado e revisto, em 14 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 13H17 e as 14H04.

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